Segregação social
Exilados em seus bairros
Crescimento da cidade nas periferias somado à pobreza tornam cada vez mais comum o isolamento de pelotenses
Carlos Queiroz -
Sentada em frente à sua casa na Rua Um da Vila Governaço, Liana Velleda, 43, não percebe o tempo passar. Também, pudera. Há 15 anos sem sair do seu bairro, não viu a realidade à sua volta mudar muito nesse tempo todo: continua morando em um chalé improvisado, convivendo com o esgoto na valeta aberta, preocupada com a violência e, principalmente, com pouquíssimo dinheiro para se sustentar.
O mais preocupante é que o caso de Liana não é incomum. Basta andar pelas regiões mais afastadas do núcleo urbano para perceber que o isolamento dentro da própria cidade está bastante presente. E um dos principais fatores para isso é a pobreza. Formadas a partir de ocupações ou loteamentos com pouca infraestrutura, especialmente a partir da década de 1970, locais como Sítio Floresta, Vila Peres, Sanga Funda, Vasco Pires ou Vila Governaço são exemplos de onde se encontram estes exilados urbanos.
Para o pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Roberto Soares, cresce em Pelotas uma segregação social criada a partir de duas periferias diferentes: uma rica e outra pobre. "A tendência das cidades crescerem para longe do Centro é histórica, sempre levando as populações mais pobres para os bairros e vilas. Isso se agrava hoje porque há periferias muito pobres de um lado, especialmente na Zona Norte, enquanto que na Zona Leste, por exemplo, surgem grandes condomínios e bairros planejados voltados aos mais ricos", observa.
Mesmo frisando que o ideal seria que todos os loteamentos tivessem boa infraestrutura, o secretário de Gestão da Cidade e Mobilidade Urbana, Jacques Reydams, diz ser muito difícil conseguir dar conta de tantos problemas. "Alguns loteamentos foram bem pensados, outros frutos de ações políticas impensadas. E, no fim das contas, a cidade não consegue dar conta de urbanizar e atender a tantas demandas ao mesmo tempo", analisa.
Já o diretor de Planejamento Territorial da secretaria, Guto King, lembra também outro fator importante: a dificuldade em aplicar na prática o que diz o Plano Diretor do município. Segundo ele, nem sempre é fácil equilibrar o tripé que envolve técnica, economia e, principalmente, política. "Temos um plano que, se fosse aplicado à risca, jamais haveria tamanha exclusão de populações. Em tese, há formas de evitar estas distorções, porém são debates que sempre levantam polêmicas e desgastes políticos", comenta.
ENQUANTO A POLÍTICA NÃO RESOLVE
Aos 57 anos, Loiraci Ferreira já se conformou. "Não vou ao Centro. Não tenho dinheiro para isso." Moradora do loteamento Santa Terezinha, na Zona Norte, ela é uma das 16,7 mil pessoas que vivem com até meio salário mínimo em Pelotas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com três pessoas morando na casa, a renda per capita é de R$ 300,00. "O dinheiro da passagem faz falta. Para quem tem pouco, esses R$ 6,50 de ida e volta fazem muita falta."
Já para o autônomo Jair Oliveira, 36, sair da Rua 11 do Sítio Floresta, especialmente em dias de chuva, é uma aventura. Ele não se assusta com os 13 quilômetros até o Centro que demoram quase uma hora para ser percorridos. São os 700 metros entre sua casa e a parada de ônibus que o isolam. "Qualquer chuva nos deixa ilhados, não temos como sair de dentro de casa. E tem muitos que, mesmo em ruas um pouco melhores, não saem por ter pouco dinheiro mesmo". Segundo ele, além de melhorar a infraestrutura das ruas, o município deveria garantir ao menos dois ou três dias por mês de passe livre no transporte coletivo.
Reydams concorda que alguns dias de ônibus gratuito seriam uma ótima alternativa para incluir a população periférica ao Centro. Ação que já ocorre em cidades de porte semelhante a Pelotas, como Montes Claros. No município mineiro, uma linha especial aos finais de semana leva a população de graça até parques na área central. "Aqui implantamos recentemente o bilhete único, que acabou com a necessidade do passageiro usar dois ou três bilhetes. Não resolve o todo, mas já facilita o acesso e a inclusão", pondera o secretário. Contudo, isso deveria passar pela Câmara de Vereadores onde, segundo o presidente Luiz Henrique Viana (PSDB), não existem hoje propostas desse tipo em tramitação.
NÃO É SÓ TRANSPORTE
Se o problema de quem está exilado em seu próprio bairro fosse apenas o transporte, talvez fosse fácil resolver. Entretanto, a exclusão é mais abrangente. Itens simples como documentos pessoais ou acesso a programas sociais como o Bolsa Família ainda são inacessíveis a muitos moradores de regiões periféricas. Quem afirma é o próprio secretário de Assistência Social (SAS). "Sabemos que muita gente se encontra nessa situação. E lastimo que não tenhamos acesso a um banco de dados amplo o bastante que permita saber exatamente quem são e onde estão", diz Luiz Eduardo Longaray.
Para tentar minimizar esse obstáculo e tentar incluir no mercado de trabalho, a SAS diz estar se esforçando para fazer uma busca ativa nos bairros para incluir pelotenses no Cadastro Único, o que garante a inclusão em programas sociais.
"A exclusão, o isolamento de cidadãos mais pobres não é um fenômeno exclusivo pelotense. Pelo contrário, é comum em grandes centros. Porém, como uma cidade de médio porte, Pelotas precisa encarar com seriedade o problema através de uma política habitacional e social em que o principal seja incluir as pessoas", conclui o professor Paulo Roberto Soares.
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